"Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura loucura do corpo. Letargia. A sensibilidade trêmula tornando tudo ao redor mais sensível e tornando visível, com um pequeno susto e impalpável."
(Um Sopro de Vida)
10 de dezembro, dia do nascimento de Clarice, essa mulher que nos contempla com uma escrita tão delicada quanto precisa, tão sensível quanto cortante. Suas palavras fazem eco ao desconforto do ser faltante, do sujeito do inconsciente, que busca e que deseja, que se angustia. Que se paralisa e que também se move.
As palavras não traduzem o que comporta de impalpável e de louco na existência humana: nela reside o que há de comum e o que há de singular, coexistindo, fazendo fronteiras que encontram e que afastam.
As palavras não traduzem, mas algumas vezes, aproximam. Assim é a escrita de Clarice, que capta algo desse impalpável, não na sua totalidade (porque bem, se (des)encontra também ela, na condição de sujeito, portanto fal(t)ante), mas re-cortes valiosos e quem sabe, talvez até suturas, cujos fios nos/nós enlaçam a coisas que nos são também difíceis de nomear, e nos afetam justamente pela ressonância de uma fala que diz daquilo que é comum e singular a cada um de nós. Coisas difíceis, quiçá impossíveis de nomear e que nem por isso paramos de tentar atribuir-lhes sentidos: seja pela via da arte, da escrita, da leitura ou da psicanálise.
terça-feira, 10 de dezembro de 2019
quarta-feira, 14 de agosto de 2019
Exposição "Para sempre, nunca mais"
Tive a oportunidade de prestigiar as obras do artista Susano Correia (acompanhe o trabalho, incrível por sinal: facebook/instagram) na exposição "Para sempre, nunca mais", que esteve em Caxias do Sul na Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim, sob a curadoria de Tharciana Goulart e Maristela Müller.
E como não falar de algo que me tocou tanto? E como não falar a partir desse lugar tão difícil, que me atravessa e sempre me convoca, que é o da psicanálise?
Estamos imersos, de uma forma ou de outra, em uma conjuntura política desumana. Uma tessitura de retrocessos pautada pelo ataque sistemático a direitos básicos, pelo sucateamento de políticas públicas, e por práticas de silenciamento da pesquisa acadêmica e científica e também das artes... não bastando isso, a realidade nos sufoca com a ascensão de discursos (sempre ideológicos) de ideais de felicidade, completude e ilusões de que pode-se tudo (e pela via da meritocracia, claro!) Afinal, basta querer e ir atrás, independente das condições sociais e subjetivas que demarcam fronteiras entre realidades distintas...
Em meio a tudo isso, essa exposição é um suspiro. Salve a arte, pois a arte nos salva!

Sempre há um especialista disso ou daquilo querendo nos vender a solução para todas as nossas mazelas, seja em forma de diagnósticos, frascos ou manuais de como gerir melhor o nosso tempo ou de como alcançar sucesso e plenitude em todas as áreas da vida... afinal tudo é mercadoria (e viva o capitalismo, não é mesmo?)
À deriva em meio a angústia imobilizadora oriunda de tantos excessos, que bom que temos a psicanálise, que bom que temos a arte para construir novos lugares, novas vias para confrontar-nos com nossos vazios.
A arte salva, e nos coloca em cena a partir da sua linguagem que encontra eco em algo que nos falta: somos seres de fal(t)a, "destinados à incompletude", como pontuou Lacan. Não podemos tudo, e ainda assim "por nossa posição de sujeitos, sempre somos responsáveis", ainda citando Lacan, e tudo isso nos faz caminhar...

Acrescento que somos sim responsáveis por sustentar-nos enquanto sujeitos, mas não sejamos culpabilizados por nossas angústias e nossos fracassos, porque ao contrário do discurso hegemônico capitalista, nós não podemos tudo. Não basta querer e trabalhar duro, não basta pensar positivo ou ainda ser disciplinado. Não podemos alcançar tudo, atender à tudo o que nos é demandado, seja pelo outro ou por nós mesmos. Somos apenas humanos, portanto falhos e tudo bem! Somos apenas humanos, portanto é preciso (re)conhecer que desejos nos convocam e escolher qual(is) posição(ões) de sujeito sustentar, pois mais uma vez, não se pode sustentar tudo. O fardo de bancar a si próprio já é pesado o suficiente.
Quando nos reconhecemos incompletos, quando a incerteza nos implica em um questionamento sobre nós mesmos, é justamente esse campo de (im)possibilidades que se torna fértil a novas criações, novas vias de encontro com nossos abismos e desejos. Aí que a linguagem, a arte e a própria psicanálise cumprem sua função. Não de preencher, pois isto não é da ordem do possível... mas apontar as contradições, criar pontes para transcender abismos, atravessar fronteiras, ressignificar.
"Para sempre, nunca mais" é uma exposição extremamente sensível, carregada de delicadeza... ao mesmo tempo que pesa de uma precisão cirúrgica, quase agressiva. Ela abala certezas... Nos mostra, como um espelho, que somos sujeitos marcados, incompletos. Somos tecidos de retalhos e furos...
A arte traduz o indizível, que ecoa em cada um de nós, e nos implica em uma rede de significantes, nos convocando a assumir uma posição.
Talvez por isso a arte seja, ainda hoje, de uma forma ou de outra, marginalizada. A verdadeira arte subverte a (des)ordem que nos é imposta. Se contraidentifica aos discursos normativizantes.
Em um mundo de soluções instantâneas, são poucos os que tem coragem de se aventurar às margens de seus abismos. A vertigem causada é o desconforto e o caminho é tortuoso, porque nele é preciso reconhecer o vazio, a angústia, o sofrimento.
Sim, é preciso coragem para deixar-se afetar e mergulhar em si. É um golpe ao narcisismo, se perceber entre incompletudes.
Mas esse caminho traz as melhores possibilidades de um encontro consigo mesmo, e quem sabe de encontrar não uma felicidade idealizada, mas uma felicidade apesar de, uma felicidade que tolera a falta e as frustrações e mais do que isso, que carrega em si a liberdade de sustentarmos o que somos, e o que de nós devir. Haja arte e haja análise para dar conta das contradições e de tudo o que se encontra à deriva no universo que somos, cada um de nós.
Salve as/os artistas; salve as estudiosas e estudiosos de objetos tão complexos: o psiquismo, a linguagem, o sujeito - ser desejante, incompleto, inacabado... de retalho em retalho, costurado em entrelinhas que se inscrevem, (re)escrevem e pulsam no movimento da vida.
quarta-feira, 6 de março de 2019
O ano começa depois do Carnaval (?)
Dizem que o ano só começa depois do Carnaval. Quantos significantes carregam esse discurso...
Estender a estadia no âmbito da fantasia parece ser vital. Ahh... a fantasia! Elo que transpassa o real e o simbólico: estrutura a realidade psíquica e insinua uma verdade.
A fantasia está ligada ao desejo. E ela liberta os traços submersos no psiquismo, que esperam o ano inteiro para ver o bloco passar, para fazer de si enredo, tecer outras narrativas...
Foliões, brincantes... sujeito do inconsciente em cena, no bloco, na avenida, na praça, no asfalto. Transborda, esgota a energia para recarregar, ensaiando recomeços. Paradoxal via de descarga do que não se esgota: desejo impulsionado ao movimento, circula.
Som e dança, corpo e sujeito. Coreografa-se em cortejo fantasias de quereres e medos. Apropria-se de algo que lhe escapa: sua posição em relação à própria falta. Somos todas e todos destinadas/os à incompletude, já dizia Lacan.
E por um momento o sujeito faz da fantasia, morada. É só o Carnaval, mas a fantasia carrega em si algo de real.
Aponta uma aproximação do sujeito em direção ao seu desejo, mas também demarca a distância entre ele e aquilo que lhe falta.
E a vida é movimento o ano inteiro, não só no Carnaval "roda gigante eterna, começo sem fim"... como diz a música da Nação Zumbi, é uma ciranda a rodar. Altos e baixos, tensionamentos e torções, afastamentos e aproximações. Roda gigante que eleva, leva mais perto do céu, que sempre escapa: somos, afinal, destinadas/os à incompletude.
A fantasia autoriza bancar o próprio desejo: tudo pode, é Carnaval! Corpo encena o que está latente no inconsciente, na cultura. Corpo mural, arte, performance... parque de diversões, repleto de personagens à deriva, à espera para serem incorporados. Até quem não é artista corporifica homenagens e confrontos: o corpo é político, a ética do desejo se inscreve, subverte o interdito.
O bloco passa, carnaval finda, penduram-se as fantasias... suspensas à espera do próximo ano. No final varrem-se as cinzas, o pó que resta de uma realidade inventada, e nem por isso menos de verdade: pelo contrário, concreta e feita de música e cor, brilho e fantasia. De discursos que incidem no real.
Reorganizam o sujeito, reinventam retalhos do seu desejo. Costuram-se novas malhas com resquícios de outros carnavais, com outros pontos e outras tessituras.
Fios de subversão que recontam, reencantam e reencenam discursos.
E assim, ano a ano; Carnaval a Carnaval; enredo por enredo; bloco por bloco; desejo por desejo, sujeitos e coletivos se inscrevem: tomam fôlego para começar de novo, o novo ano.
E o ano, dizem, só começa de verdade depois do Carnaval.
Mas que fantasia, se o que dali emerge também é real!
-
Referências:
Abel, M.C. (2011). Verdade e fantasia em Freud. Ágora, 14(1).
A fantasia - Glossário Freud | Christian Dunker | Falando daquilo 15
Fantasma, fantema e fantasia na psicanálise | Christian Dunker | Falando nIsso 104
Estender a estadia no âmbito da fantasia parece ser vital. Ahh... a fantasia! Elo que transpassa o real e o simbólico: estrutura a realidade psíquica e insinua uma verdade.
A fantasia está ligada ao desejo. E ela liberta os traços submersos no psiquismo, que esperam o ano inteiro para ver o bloco passar, para fazer de si enredo, tecer outras narrativas...
Foliões, brincantes... sujeito do inconsciente em cena, no bloco, na avenida, na praça, no asfalto. Transborda, esgota a energia para recarregar, ensaiando recomeços. Paradoxal via de descarga do que não se esgota: desejo impulsionado ao movimento, circula.
Som e dança, corpo e sujeito. Coreografa-se em cortejo fantasias de quereres e medos. Apropria-se de algo que lhe escapa: sua posição em relação à própria falta. Somos todas e todos destinadas/os à incompletude, já dizia Lacan.
E por um momento o sujeito faz da fantasia, morada. É só o Carnaval, mas a fantasia carrega em si algo de real.
Aponta uma aproximação do sujeito em direção ao seu desejo, mas também demarca a distância entre ele e aquilo que lhe falta.
E a vida é movimento o ano inteiro, não só no Carnaval "roda gigante eterna, começo sem fim"... como diz a música da Nação Zumbi, é uma ciranda a rodar. Altos e baixos, tensionamentos e torções, afastamentos e aproximações. Roda gigante que eleva, leva mais perto do céu, que sempre escapa: somos, afinal, destinadas/os à incompletude.
A fantasia autoriza bancar o próprio desejo: tudo pode, é Carnaval! Corpo encena o que está latente no inconsciente, na cultura. Corpo mural, arte, performance... parque de diversões, repleto de personagens à deriva, à espera para serem incorporados. Até quem não é artista corporifica homenagens e confrontos: o corpo é político, a ética do desejo se inscreve, subverte o interdito.
O bloco passa, carnaval finda, penduram-se as fantasias... suspensas à espera do próximo ano. No final varrem-se as cinzas, o pó que resta de uma realidade inventada, e nem por isso menos de verdade: pelo contrário, concreta e feita de música e cor, brilho e fantasia. De discursos que incidem no real.
Reorganizam o sujeito, reinventam retalhos do seu desejo. Costuram-se novas malhas com resquícios de outros carnavais, com outros pontos e outras tessituras.
Fios de subversão que recontam, reencantam e reencenam discursos.
E assim, ano a ano; Carnaval a Carnaval; enredo por enredo; bloco por bloco; desejo por desejo, sujeitos e coletivos se inscrevem: tomam fôlego para começar de novo, o novo ano.
E o ano, dizem, só começa de verdade depois do Carnaval.
Mas que fantasia, se o que dali emerge também é real!
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Referências:
Abel, M.C. (2011). Verdade e fantasia em Freud. Ágora, 14(1).
A fantasia - Glossário Freud | Christian Dunker | Falando daquilo 15
Fantasma, fantema e fantasia na psicanálise | Christian Dunker | Falando nIsso 104
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
Leve Bruma
Por que Leve Bruma?
Pouca gente sabe, mas eu escrevo. Escrevo muito. Seja por gosto ou por necessidade, escrevo. Escritas livres e despretensiosas fazem parte desse sujeito que aqui se apresenta. E não poupo palavras, não sou sucinta. Não sei sintetizar, porque sempre há algo que escapa, e tudo vira "textão"...
Há algum tempo eu queria um lugar para minhas "escrevescências", e desse desejo surge esse espaço: Leve Bruma, como um lugar de fala, e sobretudo de trocas. Espero compartilhar aqui um pouco de tantos universos que me atravessam enquanto sujeito, enquanto psicóloga, enquanto eterna estudiosa da subjetividade, das relações humanas, da cultura, da arte, da psicanálise...
Leve Bruma é a tentativa de realizar aproximações, de nomear algo que ainda não sei bem o que é.
Eu queria um nome que fosse poético e que traduzisse se possível, ou remetesse a algo que diz do inconsciente... foi um processo longo, enquanto eu realizava essa busca, pois nenhum nome se aproximava o bastante ou soava com fluidez.
Surgiu então, na minha mente: "Leve Bruma", em uma clara referência à belíssima música Anunciação, de Alceu Valença, que bem no início diz: "na bruma leve das paixões que vem de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal..."
Essa música sempre me remetia a uma ideia de amor romântico, assim como muitas outras histórias, poemas, e criações que falam também de amor. Mas também como toda a arte, ouso dizer, está também aberta a interpretações. Assim a arte vive, se reinventa, se metamorfoseia e ecoa em cada um de nós.
A obra, na minha leitura, fala de afetos. Pode ser que fale também do inconsciente, afinal há uma bruma que nos impede de acessá-lo no que diz de sua realidade crua, mas essa bruma não é tão densa que possa impedir que algo escape e nos salte aos olhos, pelas máscaras que veste ao atravessar cortinas de fumaça: pelo equivoco, pelo sonho, pelo sintoma, pelo chiste, pelo ato falho, pelas repetições, pela poesia, pela arte...
"Na bruma leve das paixões que vem de dentro..." não seria o inconsciente morada de tantos desejos, que nos movem, mesmo quando não há clareza se os buscamos ou se agimos para que nos escapem? Esses desejos, que tem algo de infantil, que demandam quereres e brincam conosco. Mesmo que ocultos na bruma leve, estão presentes e nos constituem a todo momento, nos engatam ao outro e a nós mesmos em percursos únicos, em eternas buscas de sonhos, ideais e sabe-se lá mais o quê.
Leve Bruma, licença poética para essa livre associação, para infinitas interpretações, para a escrita e para a leitura, para a escuta...
Nem precisa de muita explicação... esse nome também diz da íntima relação da psicanálise com a arte; da psicanálise como arte da escuta, na qual a posição do analista enquanto espectador de um discurso, lança um olhar que se faz presente para transcender a experiência do protagonista em cena, e este pode reinventar-se a partir do seu lugar de fala, ao ver-se refletido no olhar do analista.
Leve bruma, a poesia enlaça a psicanálise, que flerta e faz amor com a arte desde o seu advento...
Esse espaço não tem o intuito de ser demasiadamente técnico ou de carregar um rigor teórico a priori, mas de passear pela psicanálise e outros discursos, deslizando entre seus sentidos. Apontar suas aproximações, distâncias, (des)enlaces.
Eu, na posição-sujeito "psicóloga escrevedora", ou tão somente escrevedora, me permito aqui brincar com a escrita, me lançar em devaneios, compartilhar ideias, ensaios, e o que mais transbordar nestes (des)caminhos de escrevivências.
Que este seja um espaço de diálogo, de trocas, de circulação de afetos, e acima de tudo: de acolhimento!
Aqui não serão tolerados discursos de ódio.
Seja bem-vinda/o, quem vier por bem!
Quem sou eu?
Meu nome é Lahana Sambaquy Gomes, sou psicóloga em Caxias do Sul/RS, inscrita no CRP 07/29099.
Me graduei em psicologia na Universidade de Caxias do Sul (UCS) em 2018. Durante a graduação, aprofundei meus estudos em psicanálise, cujas teorias e técnicas orientam minha prática profissional. Também dediquei-me ao estudo das relações étnico-raciais, das relações entre cultura/arte e processos psíquicos; e à pesquisa em Análise do discurso francesa (AD). Com base em estudos de gênero, desenvolvi em um projeto interdisciplinar, o grupo de escuta Vozes do Feminino, cujas intervenções aproximam dispositivos de arte à psicologia.
Atualmente, trabalho com atendimento e psicoterapia individual de crianças, adolescentes e adultos; atendimento de grupos e assessoria a instituições. Além de voltar o atendimento a várias demandas de sofrimento psíquico, trabalho também com temáticas relacionadas a gênero, questões étnico-raciais, LGBTQIA+, dentre outras populações que vivenciam situações e violências geradas por qualquer tipo de preconceito.
Atendimento presencial e online.
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Quer agendar uma consulta ou saber mais sobre atendimentos ou outros projetos? Entre em contato: lahanasambaquy.psi@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6191446726483520
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