quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Chegamos a dezembro...

Chegamos a dezembro, e isso não é pouco... esse ano de 2020 foi desafiador  em tão variados níveis.

Chegamos até aqui. Não sem dor, não sem algumas perdas, não sem lutas. E talvez não seja precipitado dizer que todos perdemos algo, direta ou indiretamente, por conta da Covid, da quarentena, ou das tantas adaptações (im)possíveis...

Alguns de nós, perderam pessoas, perderam a possibilidade de se despedir de seus entes queridos. 

Outros de nós, devido ao alto risco de mortalidade perderam a liberdade de ir e vir... 

Alguns de nós perderam planos, projetos do ano, ou da vida. Ou até perderam meios de ganhar a vida... 

Outros perderam a própria vida.

Chegamos a dezembro, e isso não é pouco. Quase um milhão e meio de nós não chegou...

Chegamos a dezembro e alguns de nós decidiram por arriscar-se um pouco mais, abrir brechas para respirar e sobreviver... já que as pulsões são no corpo, conforme Lacan, o eco de que há um dizer. Fato é, que o corpo grita o que a boca não fala... 

E é preciso achar meios de sobreviver: à angústia sufocante dos números, das notícias, do isolamento... 

do perigo de morte que pertinho, apertando o cangote nos dá notícias da vida...

Chegamos a dezembro e muitos de nós vivem  como se não houvesse pandemia... outros de nós, recebem dezembro como se a anunciação de um novo ano, trouxesse um novo tempo, livre das mazelas desse tão mal-dito 2020. 

Como se o (re)início materializasse tudo o que falta: a vacina, os planos (des)feitos, os abraços (não) dados, as pessoas perdidas na distância, os (des)encontros e (des)encantos da vida, o retorno do que já não é mais. 

Fato é, que os calendários representam um retorno a um ponto de partida - uma pausa, um suspiro - não é o mesmo ponto, e já não é a mesma vida... Mas todos precisamos sustentar alguma fantasia... é também fato: alguns ciclos findam e outros (re)iniciam.

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Alguns ciclos findam e outros (re)iniciam. Ou repetem-se.

Chegamos a dezembro, e alguns de nós ganharam também algo... de novo: não sem dor, não sem perdas e não sem luta.

Chegamos a dezembro e alguns de nós (re)inventaram com aquilo que restou das possibilidades, dos planos, do que se perdeu em (des)caminhos.

Chegamos a dezembro, e os pares de opostos se contrastam e também se misturam em infinitos tons de cinza... assim como a pulsão de vida e a pulsão de morte, linhas tênues que se entrelaçam e dançam: apontam caminhos possíveis na busca de espaços para construir algo com as pedras dos castelos que se desfizeram, ou ainda na busca de espaços para sobreviver, (res)pirar...

Grandes feitos, dadas as circunstâncias, dado o agudo mal estar de estar em um mundo tão mais inóspito para alguns do que para outros.

Grandes feitos, apesar de tudo... com linhas tênues e fios dançantes, que tecem caminhos e descobertas, que aproximam corações e nos fazem perceber que as palavras, tal como Freud pontuou, são dotadas de magia: são capazes de transformar os restos dos castelos em saídas para a angústia. Capazes de transformar (de novo, e mais uma vez) a escuta em ato, que pode salvar um momento ou um resto, que seja. 

Voltamos ao básico: a palavra, a escuta, a transferência... básico e tão complexo.

A tarefa é árdua, mas não esqueçamos que fragmentos compõem mosaicos, e que resquícios de luz apontam para um pouquinho mais além do que antes não se podia ver.

A cada sujeito cabe (re)inventar frente ao (im)possível da vida. E se responsabilizar por sua parte nos caminhos tecidos, e nos que ainda se tecerão.

(Re)descobrimos de novo, e mais uma vez (pois as repetições estão a serviço do que nos causa desejo, afinal) o poder das palavras: que sustentam os vínculos, os encontros, as sessões de análise, e mais que isso, a vida! Que pulsa ainda e nos move a (re)construir algumas pontes, fazer travessias... por simples valas ou infinitos abismos... grandes feitos, de qualquer modo: chegamos a dezembro. 

Um ciclo finda e outro (re)inicia. Ou repete-se... na pulsação dos dias, compõem  a cadência do que continua, a/pesar de tanto, a (re)inventar-se.

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*texto originalmente publicado em duas partes no Instagram @levebruma.psicanalise


terça-feira, 24 de março de 2020

O corpo, a análise, questões que surgem com a quarentena



O corpo encena, o corpo fora da cena...
O corpo no centro do palco
O corpo isolado
O corpo e outras formas de (des)ocupar espaços
O corpo fora da cena
Como ser no mundo?
Imagem na tela
Encena escuta, olhar
Acolhimento, afetos
A distância afasta?
Como a presença se marca?
A transferência, a palavra
Fio que conecta,
De(s)marca fronteiras?

...

Questões que atravessam a clínica psicanalítica, a partir de um real que nos convoca a (re)pensar, (re)criar, (re)construir formas de estar no mundo, de se relacionar no mundo, de relacionar com o mundo.
No momento, o corpo precisa sair de cena. Mas e o sujeito que habita o corpo? O isolamento é mesmo social? ...
Com os novos questionamentos, surgem (re/des)construções de caminhos. Movimento!